A indústria química brasileira vive um momento único de oportunidades. Muito provavelmente, um dos melhores de sua história. Existem expectativas muito favoráveis quanto à disponibilidade de matérias-primas para produção de petroquímicos, especialmente com as descobertas do pré-sal e também da possibilidade de exploração de gás não convencional no País. No que se refere à produção agrícola, o Brasil tem uma enorme vantagem competitiva, em relação a outros países, sem contar o clima favorável e a elevada biodiversidade, que abrem um leque imenso de oportunidades para que o Brasil caminhe na direção de se tornar líder mundial no segmento de produtos químicos de base renovável. Vale lembrar que o acesso competitivo a matérias-primas, cujo peso é da ordem aproximada de 60 a 70% do custo, no caso de petroquímicos, é uma das principais vantagens comparativas e competitivas para a química.
O faturamento líquido total da indústria química brasileira, incluindo todos os seus segmentos, chegou a US$ 158 bilhões em 2011. O Brasil ocupa a sétima posição no ranking mundial de países fabricantes de produtos químicos e tem um peso de 2,6% no produto interno bruto brasileiro e de 10% no industrial, o que confere à química a quarta posição entre os setores industriais de maior relevância.
Todavia, apesar das oportunidades e do extraordinário crescimento do consumo de produtos químicos no Brasil, a indústria química brasileira tem perdido, de forma crescente, participação no atendimento à demanda interna. Em contrapartida, as importações crescem a uma taxa significativamente elevada. O Brasil, que até bem pouco tempo atrás era importador líquido apenas de produtos de maior valor agregado, como fármacos e defensivos, está importando, hoje, produtos de praticamente todos os segmentos da química, inclusive commodities. E o pior, todos os segmentos da química, atualmente, são deficitários. No início da década de 1990, o déficit em produtos químicos girava em torno de US$ 1,5 bilhão, mas chegou a US$ 26,9 bilhões em 2011. Atualmente, mais de um terço do consumo brasileiro de produtos químicos é proveniente de importações. No início dos anos 90, esse percentual era da ordem de 7%.
Diante desses números, pode-se afirmar que há um enorme contrassenso, pois, não obstante tenhamos inúmeras oportunidades para o médio e longo prazos, a indústria química brasileira atravessa atualmente uma fase bastante crítica de falta de competitividade, com inúmeras unidades correndo o risco, inclusive, de paralisação. A utilização da capacidade instalada média está há mais de três anos em uma média de cerca de 80%, fazendo com que muitas unidades de produtos químicos estejam rodando com elevada ociosidade.
Como a indústria química é supridora de praticamente todas as cadeias industriais, além de possuir um importante efeito multiplicador na atividade econômica, quando um determinado País cresce, cresce também de forma acelerada o consumo interno desse País por produtos químicos. A depender do grau de desenvolvimento, a elasticidade de crescimento da demanda por produtos químicos em relação ao PIB pode ser superior a dois. Não é por acaso que as maiores economias do mundo também sejam líderes na fabricação de produtos químicos. Como exemplo, é possível avaliar o desempenho da economia chinesa vis-à-vis à sua indústria química, bem como fazer uma comparação com o Brasil.
Na China, o crescimento econômico foi acompanhado por uma forte expansão na fabricação de produtos químicos. Tal desempenho possibilitou à indústria química chinesa, em 20 anos, não só alcançar as maiores economias, como, no último ano, chegar à liderança mundial. Desempenho excepcional. E é esse exemplo que acreditamos ser possível para a indústria química brasileira.
A crescente participação de produtos químicos importados no atendimento ao mercado interno, não pode ser explicada apenas pela defasagem do câmbio e pelos excedentes no mercado internacional, em decorrência da crise que afeta um número considerável de países. O fato preponderante é o de que a produção nacional, por razões estruturais, não tem sido capaz de acompanhar a elevação da demanda interna.
Essa situação preocupante, de baixo crescimento interno versus elevada presença das importações, estimulou a Abiquim, no início de 2010, a elaborar um documento intitulado “Pacto Nacional da Indústria Química”, que teve como objetivo analisar a situação da indústria química à época, especialmente em relação ao tamanho do déficit, bem como projetar a demanda para os próximos dez anos. O estudo previa uma parceria entre a indústria e o Governo para buscar soluções de melhorias, tendo como intento estratégico posicionar a indústria química brasileira entre as cinco maiores do mundo até 2020, tornando o País superavitário em produtos químicos e líder em química verde. Conforme conclusões do Pacto, a indústria química brasileira possui oportunidades que podem atrair investimentos de US$ 167 bilhões nos próximos 10 anos. Esses investimentos viriam (i) do próprio crescimento econômico, (ii) da recuperação do déficit comercial, (iii) do crescimento na química renovável e (iv) da agregação de valor em relação às matérias-primas oriundas do Pré-sal.
Para que essas oportunidades previstas pudessem se converter em investimentos efetivos, o que significaria ao País triplicar o atual nível de inversões no setor, o estudo apontava algumas medidas de correção de rumo, sem as quais a indústria química caminharia para uma situação cada vez mais difícil. As principais medidas diziam respeito aos seguintes itens: a) acesso a matérias-primas básicas mais competitivas em preços e com garantia de volumes no longo prazo, com o fornecimento estabelecido em contrato; b) solução de distorções do sistema tributário, com a desoneração da cadeia produtiva; c) melhoria nas condições da infraestrutura logística, com destaque à distribuição de gás e à disponibilidade de portos, rodovias e outras soluções modais; d) apoio do Estado ao desenvolvimento tecnológico e à inovação; e) facilitação do acesso ao crédito, principalmente por pequenas e médias empresas, visando o fortalecimento da cadeia produtiva.
O diagnóstico, conclusões e proposições desse estudo serviram como pano de fundo para o Conselho de Competitividade da Química, criado no âmbito do Plano Brasil Maior, trabalhar e elaborar sua Agenda de questões prioritárias. Aliás, o Conselho de Competitividade da Química foi o primeiro a concluir os trabalhos e a apresentar uma relação de propostas concretas de soluções de curto, médio e longo prazos, que, se resolvidas em tempo, poderão significar o divisor de águas para a indústria química e recolocar o Brasil como um dos principais destinos para atração de investimentos mundiais em química. A elaboração da Agenda do Conselho de Competitividade da Química, que contou com a participação de entidades empresariais privadas, entidades representantes dos trabalhadores da química, além do pessoal técnico do Governo, foi fruto de amplo debate e reúne todas as propostas estruturais necessárias para a retomada dos investimentos na indústria química.
A Agenda da Química contém medidas importantes que tem por objetivo aumentar o investimento fixo, reduzir custos com a aquisição de matérias-primas, estimular a diversificação da produção química no Brasil, aumentar a capacitação dos recursos humanos, incentivar a produção local de produtos importados, estimular os investimentos em inovação e implantação e aumento de atividades de centros de P&D das empresas, incentivar investimentos de produtos químicos de origem renovável/sustentável, melhorar a infraestrutura para a indústria e aumentar a inserção internacional das empresas brasileiras. Dentre todas as medidas, as mais importantes, no entanto, são aquelas relativas à desoneração das matérias-primas. Um exemplo importante é a adoção de uma política para o uso do gás natural como matéria-prima (já prevista na lei do gás, de 2009), para as empresas que transformam o metano contido no gás em produtos químicos de elevado valor e que são utilizados nas mais diversas cadeias produtivas. São cerca de 20 empresas que fazem essa transformação, mas, algumas delas estão operando, hoje, a baixa carga, outras estão com as unidades paralisadas e outras, ainda, estão em vias de fechar em definitivo suas operações no País.
Ainda que algumas dessas medidas possam significar para o Governo Federal abrir mão de algumas receitas no curto prazo, essa renúncia fiscal é mais do que compensada no médio e no longo prazos com aumento da arrecadação proveniente diretamente da atividade da indústria química e indiretamente pela melhora de diversas cadeias consumidoras, pelo aumento dos empregos, pela agregação de valor a produtos brasileiros, pela melhora no saldo da balança comercial de produtos químicos e, consequentemente, no balanço de pagamentos do País.
Apesar de o Conselho de Competitividade ter trabalhado em medidas que apanhariam toda a indústria química, até o momento, o único segmento da química contemplado por medidas de estimulo ao investimento foi o de fertilizantes. O Governo precisa se sensibilizar rapidamente para as dificuldades da indústria química. A expectativa é que a indústria química brasileira possa aproveitar a janela de inúmeras oportunidades que existem e realmente voltar a crescer e se destacar no cenário nacional e internacional. A indústria química brasileira reúne qualidades que a colocam em uma situação de vantagem em relação a outras localidades. É madura, moderna e possui capacitação empresarial e técnica de elevado nível para tocar as importantes oportunidades de investimento. Nosso problema é o tempo, é a urgência. As principais propostas de solução precisam ser logo colocadas em prática para dar a sinalização que a indústria tanto almeja para voltar a investir. Mas, para que os investimentos retornem é preciso que a indústria volte a produzir, nas atuais linhas, em condições de igualdade em relação aos principais competidores internacionais.
Temos que seguir o exemplo americano, que com o aparecimento da exploração do gás não convencional está vendo ressurgir e crescer de forma acelerada sua indústria química. Uma verdadeira revolução em menos de cinco anos. Lá, eles estão sabendo tirar bons proveitos das oportunidades e é isso que desejamos para a indústria química brasileira, que ela realmente aproveite, da melhor forma possível, o ciclo positivo de oportunidades.
Fátima Giovanna Coviello Ferreira,
Economista;
Diretora de Economia e Estatística da Abiquim.